Como já tive a possibilidade de dizer por aqui, existe um
conceito que me fascina, conceito que era usado pelos gregos como sinónimo de
fenda ou espaço infinito: refiro-me ao conceito de "Caos". Simpatizo
com a palavra! Mas é muito mais do que isso. Gosto de pensar que a ideia de caos nos remete para a natural instabilidade e
imprevisibilidade do mundo (e de nós mesmos)… Assumo, sou simpatizante da
teoria do caos!
A Teoria do Caos (Butterflies & Hurricanes) teve a sua
origem nos estudos de Eduard Lorenz (1963), um meteorologista do Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT), sobre previsões climáticas. Através da
simulação do computador e usando apenas as variáveis: temperatura, pressão atmosférica
e velocidade dos ventos, Edward Lorenz verificou que pequenas modificações ou
variações nas condições iniciais puderam provocar alterações drásticas nas
condições futuras do tempo. Por exemplo, o bater de asas de uma Borboleta no
Brasil poderia causar um tornado no Texas (Lorenz, 1972).
Há padrões e regularidade por detrás do comportamento
aleatório dos sistemas físicos mais complexos, como a atmosfera ou o mar. E
pequenas causas podem provocar grandes efeitos, independentes do espaço e do
tempo, permitindo que as pessoas passem a ver ordem e padrão onde antes só se
observava a aleatoriedade, a irregularidade e a impressibilidade. Podemos assim
dizer que a realidade tem uma irregularidade regular, uma imprevisibilidade previsível,
uma desordem ordenada.
Já ouviram falar da aplicação da Teoria do Caos ao
desenvolvimento da Carreira? Pois é, na atualidade, o grande desafio para nós,
Psicólogos de Orientação e Desenvolvimento da Carreira, é
ajudar os clientes a compreender a realidade e a enfrentar os desafios de viver
e trabalhar no limite do caos.
As mudanças que hoje
vivenciamos refletem-se na organização dos nossos objetivos e projetos, bem
como nas perceções subjetivas de controlo relativamente aos acontecimentos e
eventos imprevistos e aos dilemas que surgem inesperadamente. Para os
psicólogos de orientação é imprescindível compreender o impacto comportamental
da instabilidade e da incerteza, de forma a desenhar estratégias de intervenção
que contribuam para diminuir o impacto negativo do “caos”, maximizando o
potencial de ativação do crescimento pessoal.
A explicação que se
segue, sobre o tema, foi retirada do artigo “Teoria do Caos e Aconselhamento de
Carreira: Implicações para a Prática”, de Liliana Faria e Nazaré Loureiro
(2012).
As mudanças atuais são cada vez mais tidas como mudanças de
natureza imprevisível e incerta, promovendo, potencialmente, insegurança e
transições involuntárias.
Consequentemente, têm impacto no surgimento de carreiras não
lineares, na utilização de estratégias de recrutamento assentes na avaliação do
potencial de mudança do colaborador, na adaptação do candidato a mudanças e na
mudança da relação entre colaborador e empregador e, sobretudo, na distribuição
da responsabilidade de gestão de carreiras.
Quais os desafios?
O grande desafio para o
colaborador,
independentemente da organização em que está incluído, ou no seu trabalho
independente, é a capacidade de transformar as suas competências, reciclar os
seus conhecimentos e adaptar-se a novas situações. Destas características
depende a sua “sobrevivência” no mundo imprevisível.
O grande desafio para o
psicólogo de orientação e desenvolvimento da carreira é
encarar o mundo em mudança e instável como uma oportunidade para os seus
clientes.
Neste sentido, a intervenção deverá ser assente:
Na
ativação de emoções positivas, para além de dever promover a flexibilidade
cognitiva, tendo como fim último o empoderamento motivacional.
- Numa noção de desenvolvimento da carreira sujeito a diferentes influências ao longo do tempo. Deverá, ainda, reforçar dinâmicas de aproximação a diferentes situações promotoras de crescimento, e inibição de dinâmicas de evitamento que, sendo aversivas, permitem a sobrevivência mas não o bem-estar.
- Na promoção de competências como a versatilidade, a flexibilidade, a autonomia, a adaptabilidade e a internalização da regulação comportamental.
- Na área do aconselhamento da carreira, a teoria do caos vê a carreira como sistemas altamente complexos, onde a melhor maneira para alcançar controlo é equilibrando-se no limite do caos, onde nem muitas restrições, nem a total desordem são desejáveis.
Segundo Bright e Prior (2005), seis grandes conceitos são
centrais na Teoria do Caos de Carreira, a saber: complexidade, emergência, não
linearidade, imprevisibilidade, mudanças de fase e atractor.
Complexidade: diz respeito à natureza imprevisível e mutável
das carreiras, fruto de influências múltiplas (pessoais, ambientais). Neste
sentido, e no que diz respeito à intervenção de carreira, o psicólogo de
orientação de carreira deverá auxiliar o seu cliente a refletir sobre as
influências ao longo da vida e das suas decisões passadas, através de uma
reflexão sobre as suas fontes de influência nessa altura decisória.
Emergência: nesta teoria, o caos tem ligação com o acaso,
portanto, o passado poderá constituir-se como uma pista para o presente e
futuro. A emergência surge como uma estratégia de análise de influências e do
acaso na definição da trajetória de vida de cada cliente.
Não-linearidade: está relacionada com o facto de nem sempre a
análise de determinadas situações, por muito semelhantes que sejam, conduzirem
às mesmas conclusões. Pequenas mudanças podem, inclusive, ter impactos
grandiosos na vida complexa das pessoas e no rumo de determinados
acontecimentos. Com efeito, na intervenção vocacional, deverá incluir-se
variados pormenores de vida do cliente, mesmo aqueles que possam parecer ser os
mais triviais.
Imprevisibilidade: está relacionada com a dificuldade de
calcularmos e conjeturarmos o futuro, onde o acaso, ao nível do desenvolvimento
de carreira, tem influências significativas. O papel do psicólogo de orientação
vocacional é o de encorajar os clientes a explorar o impacto do acaso nas suas
carreiras, a capitalizar esses acontecimentos e abraçar a incerteza positiva.
Mudanças de fase: estão associadas às mudanças de carreira,
mudanças que poderão ser instigadas por fatores internos, tais como a insatisfação
ou, por fatores externos, como por exemplo lesões incapacitantes.
Atractor: é uma zona de convergência para a qual determinadas
trajetórias são puxadas. Existem 4 tipos de atractores: o ponto, o pêndulo, o
toro e o estranho.
- O Ponto poderá ser um objetivo específico que motiva o comportamento. Para a teoria do caos a definição de objetivos é importante, bem como a elaboração de planos alternativos para transpor possíveis constrangimentos imprevistos.
- O Pêndulo restringe o comportamento para um padrão regular, sobretudo aquando de indecisão por duas opções de carreira, ou quando o cliente tem crenças rígidas e extremas. Isto é, os atractores pêndulos podem constituir soluções de compromisso entre opções, não sendo, muitas vezes, as melhores para os clientes mas as que eles consideram mais desejáveis.
- O Toro refere-se a comportamentos que, sendo mais complexos, continuam a ser restritos ou constrangidos pelo cliente que, assim, negligencia hipóteses de evolução ou mudança.
- O Atractor Estranho relaciona-se com a ideia de “limite de caos”, ou seja, a fronteira entre a previsibilidade da ordem que o sistema procura manter e a imprevisibilidade da complexidade da corrente das interações desse sistema com outros sistemas.
Posto isto, conclui-se que ao nível do aconselhamento de
carreira, o objetivo passa por ajudar os clientes a dar estrutura e forma às
suas experiências através de estratégias várias. Os clientes têm qualidades
convergentes, que são as suas qualidades inerentes. Para além disso, têm
experiências imprevisíveis no dia-a-dia, que têm impacto nas qualidades
emergentes, únicas e imprevisíveis, porque resultam das experiências igualmente
imprevisíveis. Estas experiências imprevisíveis podem constituir-se como
oportunidades a um nível mais macro, desde que o cliente as reconheça de modo
positivo como oportunidades de mudança contínua, adaptação e desenvolvimento.
As mudanças que realmente importam encontram-se fora do reino de expetativas regulares dos indivíduos, e têm por isso, um impacto extremo que promove nas pessoas necessidades de explicação para as tornar previsíveis e explicáveis.-- Taleb (2007)
E, o que seria de nós sem incertezas? Afinal, são elas que nos movem e nos fazem evoluir. Um mundo sem "abanões", desassossegos e questionamentos não vai para a frente...
Nota: Todos aquele/as que gostariam de beneficiar de um aconselhamento de carreira, decorem esta sigla: CQEP (Portaria n.º135-A/2013, de 28 de março). Em breve falar-vos-ei da missão destes serviços.
Beijinho e bom fim-de-semana
Liliana Fernandes
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