“(…) Depois, toda ela se adoçou,
maternalmente. E se aproximou do marido, acatando-o no peito. E sentiu que já
não era apenas o espreitar da lágrima. O seu homem se desatava num pranto. Vendo-o
assim, babado, e minguado, minha mãe entendia que o velho, seu velho homem,
queria, afinal, ser sua única atenção.
Conduziu-o pela mão, minha mãe o fez entrar
e lhe mostrou o neto já dormido. Pela primeira vez, meu pai contemplou o menino
como se ele acabasse de nascer. Ou como se ambos fossem recém-nascidos. Com desajeitadas
mãos, o velho Zedmundo levantou o bebé e o beijou longamente. Assim, demorou
como se saboreasse o seu cheiro. Minha mãe corrigiu aquele excesso e fez com
que o miúdo voltasse ao quente do colchão. Depois o meu pai se enroscou no
desbotado sofá e minha mãe colocou-se por detrás dele a jeito de o embalar em
seus braços até que ele adormecesse.
Na manhã seguinte, ainda cedo, encontrei os
dois ainda dormidos: meu velho no sofá e, a seu lado, o adiado neto. Minha mãe
já tinha saído. Dela restara um bilhete rabiscado por sua mão. Não resisti e
espreitei o papel. Era um recado para meu pai. Assim:
“Meu Zedmundo: durma comprido. E trate desse
menino, enquanto eu vou à cidade.”
Entre
rabiscos, emendas e gatafunhos, o bilhete era mais de ser adivinhado que lido. Dizia
que meu pai ainda estava em tempo de ser filho. Culpa era dela, que ela já te
esquecido: afinal, meu pai nunca antes fora filho de ninguém. Por isso não
sabia ser avô. Mas agora, ele podia, sem medo, voltar a ser seu filho.
“Seja meu filho, Zedmundo, me deixe ser sua
mãe. E vai ver que esse nosso neto nos vai fazer sermos nós, menos sós, mais
avós.”"
Mia Couto in Fio das Missangas/O Adiado Avô
Foto: Butterflies & Hurricanes
(uso desta foto não autorizado)
Tal como defende Bandura, a ideia que os indivíduos têm de si mesmos deriva da forma como são tratados pelos contextos e pelo ambiente social. E aqui os pais ocupam um lugar priveligiado, pela ligação específica que o bebé e a criança vão estabelecendo com eles.
A socialização é uma rua de dois sentidos. Quando Coimbra de Matos nos diz que "só pode amar e amar-se quem foi amado" - numa sequência natural que inicia no ser-se amado (pelos pais), que passa pela capacidade de se amar (a si mesmo) para finalizar na possibilidade de amar o outro - possui subjacente a convicção de que os pais (os bons pais - biológicos ou adotivos, acrescenta ele) desempenham um papel fundamental no crescimento saudável e harmonioso do bebé e da criança, um papel onde a sua capacidade de amar incondicionalmente e a não exigência de retribuição desse amor são essenciais para que o seu filho desenvolva uma boa estima de si.
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