Hoje, quando estava de saída para
o trabalho, tive de regressar três vezes a casa antes de conseguir sair
definitivamente: da primeira vez porque me tinha esquecido do computador, da
segunda porque me tinha esquecido da carteira e da terceira das chaves do
carro.
Como explicar esta “enxurrada” de
esquecimentos?
Freud, num livro que
originalmente foi escrito há mais de um século, diz-nos que os esquecimentos,
os lapsos e os enganos não ocorrem apenas porque somos distraídos ou
desastrosos. São sim a expressão inconsciente de um desejo ou de um conflito
interno.
Quando tentamos perceber as
razões subjacentes aos nossos atos falhados, deparamo-nos com uma riqueza de
motivos que remetem para os nossos desejos. Desejos esses profundos e por vezes
inconfessáveis!
Alguns desses atos falhados são
tão grosseiros que se interpretam facilmente, outros são tão refinados que as
interpretações que podemos deles fazer parecem demasiado rebuscadas.
Sigmund Freud, considerava que
estes atos falhados eram a manifestação na vida do quotidiano do funcionamento
patológico do aparelho psíquico. Para ele, os esquecimentos, lapsos e enganos
não são fruto da arbitrariedade psíquica (como as distrações, por exemplo), mas
sim formas legítimas e racionais de exteriorizar a nossa ambivalência e os
nossos conflitos internos.
Segundo Freud, o comportamento do
ser humano é determinado por motivos profundamente armazenados no inconsciente
e que se manifestam nalgumas circunstâncias particulares: através dos sonhos e
das doenças, mas também através de esquecimentos, lapsos e enganos. A forma
como esses motivos se manifestam ao nível dos comportamentos muitas vezes
dificulta a sua correta interpretação, pois põe em causa a imagem oficial que
temos de nós mesmos.
Há algumas pessoas que trocam sistematicamente o nome do filho (Rui)
pelo do neto (Rodrigo), do neto (Rodrigo) pelo do tio (Diogo), do tio (Diogo)
pelo do filho (Rui), num ciclo que se repete sistematicamente. A troca dos
nomes possui dois fortes motivos subjacentes: as semelhanças fonéticas
existentes entre os nomes e as semelhanças psicológicas entre os indivíduos.
E essas semelhanças psicológicas podem ser derivadas do facto dos
indivíduos possuírem características em comum (como alguns traços de
personalidade, por exemplo), ou serem desprezados por quem está constantemente
a trocar os respetivos nomes.
O nosso nome é um dos principais distintivos da nossa pessoa. Quando alguém
que nos é próximo está constantemente a trocar o nosso nome por o de outro
indivíduo, esse comportamento não é uma mera distração, pois é uma forma de
explicitar o nosso menosprezo por cada um desses indivíduos, que
inconscientemente são considerados tão semelhantes que se confundem entre si.
Não é devido ao acaso que muitas
vezes quando escutamos frases como “Amanhã não te esqueças de trazer o livro!”
ocorre exatamente o oposto do inicialmente pretendido: esquecemo-nos de levar o
livro tão desejado (eu esqueço-me sempre!!!!).
Porquê? Muitas vezes como forma de agressão a
quem manifestou declaradamente que somos crianças descuidadas, que necessitamos
de ser lembrados constantemente das coisas para não nos esquecermos de nada (em
geral as crianças são patologicamente saudáveis na sua capacidade de se
esquecerem das coisas que não gostam ou não apreciam).
É muito mais fácil interpretarmos o nosso esquecimento como fruto da distração, da pressa ou de qualquer outro motivo do mesmo género: “Errar é humano”. Percebermos e aceitarmos que o nosso esquecimento visa agredir, denegrir ou menosprezar o outro torna-se muito mais difícil, pois demonstra a existência de sentimentos e emoções que não estão conformes com a imagem que queremos mostrar aos outros e que temos de nós mesmos.
É muito mais fácil interpretarmos o nosso esquecimento como fruto da distração, da pressa ou de qualquer outro motivo do mesmo género: “Errar é humano”. Percebermos e aceitarmos que o nosso esquecimento visa agredir, denegrir ou menosprezar o outro torna-se muito mais difícil, pois demonstra a existência de sentimentos e emoções que não estão conformes com a imagem que queremos mostrar aos outros e que temos de nós mesmos.
Os motivos dos meus esquecimentos desta manhã?!...Fazem parte daquele leque de desejos inconfessáveis!!!
Saiba mais:
Freud, S.: “Psicopatologia da Vida
Quotidiana”. Lisboa: Relógio d’Água, 2003.
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