SÍNDROME DE ESTOCOLMO: qual o significado?

Ouvir Muse já se tornou um caso sério de inspiração!!! Desta vez com o tema Stockholm Syndrome.


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Em Agosto de 2006 os jornais e telejornais de todo o mundo noticiavam a fuga da austríaca Natascha Kampusch, após 8 anos de cativeiro. Recordo-me que às imagens de estupefação e alegria do seu pai, seguiram-se a notícia do suicídio do presumível raptor e, para espanto de todos, as palavras de simpatia da jovem pelo mesmo. Os especialistas apressaram-se a esclarecer que estávamos apenas a presenciar mais um exemplo da “Síndrome de Estocolmo” (= simpatia da vítima pelo seu raptor).


Mas será assim tão estranha esta simpatia da vítima pelo seu raptor?
Este fenómeno não é estranho e nem sequer é raro, pois também está presente em situações de grande tensão emocional, como são exemplos o abuso infantil e a violência doméstica em geral. Estamos, portanto, perante um processo psicológico desencadeado para que a vítima consiga "suportar" a situação traumática.
A designação “Síndrome de Estocolmo” esclarece-nos, desde já, que algo aconteceu na capital da Suécia. De facto, nesta cidade, em Agosto de 1973, foi assaltada uma dependência do Kreditbanken e durante seis dias os empregados foram mantidos nas instalações pelos assaltantes. Após a sua libertação, e para espanto de todos, estes empregados bancários, em vez de acusarem os seus opressores, defenderam-nos.
Mas o mais estranho estava para chegar. Em Fevereiro do ano seguinte, Patty Hearst, uma herdeira multimilionária educada nas melhores escolas da costa leste norte-americana, é raptada pelo autodenominado Symbionese Liberation Army, que pediu como resgate a distribuição de 6 milhões de dólares de bens de primeira necessidade pelos pobres da cidade de São Francisco. Apesar da família Hearst ter distribuído a quantia, Patty não foi libertada. E 60 dias depois, foi fotografada a participar fortemente armada num assalto a uma dependência do Hibernia National Bank (por acaso propriedade da família da sua amiga de escola Patrícia Tobin).
Um terceiro e último exemplo é o de Yvonne Ridley, jornalista do “Daily Express”, que foi capturada e retida durante 11 dias pelos talibãs no Afeganistão, em Setembro de 2001. Durante a sua estada junto dos talibãs prometeu a um dos seus dirigentes religiosos que iria estudar o Islão se a deixasse regressar a Londres. O que fez, tendo-se convertido em 2003 ao Islamismo mais radical (mas não, ela não se considera uma vítima…).
Explicações para este fenómeno?
A duração parece desempenhar um papel importante. Nos quatro casos relatados, as vítimas/reféns/cativos passam dias, meses ou anos permanentemente com os seus agressores/raptores/guardas.
Os exemplos apresentados e outras situações semelhantes, como o abuso infantil e a violência doméstica, são situações de grande intensidade emocional, em que as vítimas estão constantemente receosas sobre o que lhes vai acontecer.
Um outro fator é a substancial diferença de poder das vítimas em relação aos agressores, possuindo, estes, plenos poderes sobre as suas vidas e a sua liberdade.
Como os exemplos sugerem nos mais diversos contextos culturais, a universalidade destes comportamentos dita a existência de um mecanismo de sobrevivência física mas também psicológica.
  • Será um mecanismo geneticamente desenvolvido para que o indivíduo sobreviva caso seja retirado do seu contexto social?
  • Ou talvez um mecanismo psicológico que auxilia o indivíduo a lidar com uma situação que de outro modo seria insuportável pela objetiva (e subjetiva) completa ausência de controlo?
  • Ou será antes um mecanismo psicológico de defesa que, ao permitir a identificação com o agressor todo-poderoso, garante a proteção e a sobrevivência da vítima? 
EXPLICANDO...
LIGAÇÃO AO CAPTOR
Dado que os comportamentos das vítimas são muito semelhantes, independentemente da sua cultura de origem, alguns autores sugerem que se trata de um mecanismo psicológico adaptativo que possibilitou a sobrevivência nas sociedades primitivas de caçadores coletores, especialmente das mulheres. O rapto de mulheres e criança por outras tribos de caçadores coletores foi um fenómeno comum, pelo que as mulheres nossas antepassadas, que desencadearam comportamentos de maior afeição interna pelos captores, tiveram maior probabilidade de sobrevivência de sobrevivência e passaram à descendência essa característica. Por exemplo, alguns dos bancários da situação original, que deu origem à designação do fenómeno, após o seu resgate organizaram uma recolha de fundos para defesa dos seus captores…

IDENTIFICAÇÃO COM O AGRESSOR 
O agressor é o que possui objetivamente mais poder, que decide sobre a vida e a morte da vítima. Para alguns autores, com base nos modelos psicanalíticos, a identificação com o agressor maximiza a probabilidade de sobrevivência. O caso da jornalista Yvonne Ridley, raptada pelos talibãs, é uma forte demonstração desta identificação, pois atualmente ela acusa os islamitas moderados de servos do ocidente e do capitalismo.

ILUSÃO DE ESTABILIDADE E CONTROLO
O ser humano, de modo a conter a sua ansiedade, necessita de perceber estabilidade no mundo que o rodeia e de sentir algum grau de controlo sobre esse mundo. A vítima está numa situação que, no limite, é cognitiva e emocionalmente insuportável: nunca sabe e não decide o que vai acontecer a seguir, a ligação emocional ao agressor torna mais suportável a sua situação, especialmente quando replica os seus comportamentos, como parece ser a situação vivida por Patty Hearst

Seja qual for a explicação que decida adotar, só há mais um grão a acrescentar à engrenagem: a Síndrome de Estocolmo poderá transformar-se na Síndrome de Lima. Nesta cidade peruana o Movimiento Revolucionario Túpac Amaru ocupou a Embaixada do Japão em finais de 1996, fazendo cerca de 140 reféns, mas aqui o processo psicológico desenrolou-se em sentido inverso, tendo os guerrilheiros ficado gradualmente sensibilizados com a situação vivida pelos seus reféns. Talvez, precisamente, porque o diferencial de poder não se registasse de forma tão dramática como noutras circunstâncias.

2 comentários:

  1. Li com muita atenção este artigo. Agradou-me o facto de, numa linguagem muito clara e acessível, acedermos a conceitos que não fazem parte da nossa formação, mas que, como qualquer ser humano, nos suscita sempre interesse e curiosidade.
    Sem dúvida que a transdisciplinaridade é enriquecedora... tal como se comprova com Muse!
    Parabéns pelo projeto! Decididamente vou estar atenta!

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    1. Paula, agradeço o teu comentário! Será um prazer poder contar com as tuas visitas e opiniões.

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Obrigada pela visita e por partilhar a sua opinião! Beijinho.